domingo, 2 de março de 2014

Ontem é sexta-feira

Ontem é sexta-feira
do tempo que já passou,
a pele que escorre a resistência do sangue,
pinga as horas,
marca os dias,
é hora de voltar para casa,
é hora de engolir a dor para dentro das pálpebras.
Baixemos as cortinas,
coloquemos
na cabeça
o chapéu
que espera
no cabideiro atrás da porta.

Um corpo 

Os nervos de um corpo de dentro para fora encharcados de poeira se fazem como válvulas entupidas de ar. Descente. A existência é feita de cortes de fora do ar quente, em cima das superfícies das peles. E, se se pudesse vir a desenhar nervos de fora do corpo, os nervos em interface com as superfícies, eu me tornaria algo autêntica, como uma sustentação. Queria? É uma pergunta de como querer. Tal qual o que se inscrever na dor... O que de fato escapa, o que escorrega entre meus dedos? A dor, o que fica, paradoxalmente e simultaneamente, foge. Inscrevê-la! Porém, fluídamente ela desfaz-se... 
E, então, busco falar com a alma, mas mutilada, ela só cala, a me por sinais no que não posso tomar, a nervura óptica do dissabor. O caso é de ver por fora da pele, os dedos falam e mentem no papel, metem no agudo o que não pode ser dito na voz não treinada. O caso não é de papel é de pele, de superfície colorida mais que branca. Tons discrepantes formando um sentido só.
Há duzentos tons em voz, que moldam um corpo; existe apenas uma só canção, aquela que não pode ser cantada, jamais pode ser ouvida.  
 Jamais,
Estanca como faca.
Sua voz no solo irrefletida por uma lua distraída que me obriga a olhar.
O dilema se faz novamente, a mão que apoia o rosto para que este não lhe caia; o corpo do dorso que me faz sentir a tentativa de mutilização. Na morte, há alguma tranquilidade no que acaba. É a sua contradição que descama. Um eco estéreo e fértil. Clama pelo que já foi doído, desanda, me leva pra onde não sei andar. Pôr acento nas palavras, esquecer gráficos sonoros e sinais. A curva normal de todos os dias me faz ficar na ponta da lógica; sem querer, escorrego para a esquerda, depois de centralizar a ambição apontada para o teto da fórmula e, no desconhecer, sou duplamente esquecida em seus resultados.


Tenho fome. Fome de mentiras antes pronunciadas em outras dicções, a fome de equivalência numa equação. Equivalência estérea. Há um sistema de reprodução de áudios sólidos na medida em que eles não estão aqui. Como o ar, o vômito, o grito, antes como a terra que faz um suspiro, é o respiro adubado de não fertilizar. Estes sim! Estão todos aqui. A fome e a fala, a fome fala pelo engolir. 

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